domingo, 22 de novembro de 2020

Um píer que um dia existiu (Miniconto)

 


Um garoto carioca típico dos anos setenta do século XX, frequentador assíduo da praia de Ipanema, no Rio de Janeiro, cabelo parafinado, sem muita expectativa ou interesse em buscar um trabalho, vivia de bicos! Surfista por opção, naturalista por convicção.

Certo dia se apaixonou, pela menina mais linda da praia, surfista com o corpo dourado pelo sol do verão. Apaixonados, trocaram juras de amor admirando o pôr do sol no Píer de Ipanema.

O Píer, assim conhecido, era uma estrutura metálica montada para a instalação do emissário submarino, que lançaria esgoto urbano a quilômetros mar adentro, que cortava as areias da praia e produzia as melhores ondas, disputadas por grandes surfistas. O local virou point onde artistas psicodélicos se misturavam aos jovens surfistas para conversarem e sonharem.

O romance floresceu, os apaixonados se casaram, tiveram filhos, trabalharam, curtiram, viajaram, viveram... Os anos passaram, o século mudou, os sonhos mudaram. Não existe mais o Píer, as ondas e as areias perderam o seu glamour. O Psicodelismo virou moda que passou. Mas o amor construído a partir de uma paixão praiana continua surfando nas melhores ondas de um píer que um dia existiu.

Qualquer botequim (Miniconto)




Num fim de tarde qualquer, em qualquer lugar, em qualquer botequim...
 
Amigos em roda, jogavam carteado. A mão parecia boa, mas qualquer um poderia ganhar, pois, o que importava era com quem ela iria ficar. Com olhar sereno como o suave entardecer, observava distante aquele grupo de amigos que a olhavam com grande querer. A partida já se prolongara para além de meia dúzia de garrafas de uma cerveja que o vento quente, daquele final de tarde, cismava em aquecer.
 
Com olhar de sedução inebriou um dos ávidos jogadores, que após virar a mesa, caminhou em sua direção, deixando os parceiros de jogo irados com o seu pouco caso com a disputa do jogo e da jovem. Tal atitude gerou um bate-boca, iniciando uma boa briga.
 
Enquanto brigavam, a jovem, de relance, percebeu que sua amiga a contemplava carinhosamente, alheia ao confronto que a todos envolvia. Aproximando-se, sussurrou em seu ouvido e, então partiu, acompanhada pela amiga que não a assediava, mas sutilmente a provocava. 

Sufocando a cor (Por quê?)

O movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam) teve origem na comunidade negra nos EUA, com o objetivo de combater a violência às pessoas pretas. Esse movimento iniciou em 2013, após a absolvição de George Zimmerman que matou o adolescente negro Trayvon Martin. Em maio de 2020, o movimento ganhou dimensão com a morte criminosa, por asfixia, de George Floyd (I can’t breathe) após ser imobilizado em uma ação policial, em Minneapolis (Minnesota, EUA). Milhares de pessoas foram às ruas protestar pela vida das pessoas pretas, gerando intenso embate local.
 
No Brasil racismo é estrutural e  tem uma de suas origens no término tardio da escravidão.  Observa-se que sem trabalho ou moradia o negro liberto acabou marginalizado, exposto a violência e a miséria. Esse preconceito foi reforçado pelas tentativas históricas de “branqueamento da população” através da chegada dos imigrantes europeus e pela simplificação das relações sociais, apoiada na miscigenação, enfatizando a suposta cordialidade entre senhores e escravos, base do mito da “democracia racial”, proposta pelo sociólogo Gilberto Freyre.

Sufocando a cor (Poema)

 


Segrega-se, humilha-se... mata-se!
A odiosidade impele a humanidade,
joga-a, sem qualquer dúvida,
no fim da fila das iniquidades.
 
Não é um pensamento individual.
É uma mácula estrutural,
manchando o cerne da sociedade,
rompendo o frágil tecido social.
 
Sangrando, imolando... sufocando
a voz da comunidade.
Que, oprimida, revolta-se e grita,
Rebela-se e briga.
 
Mas, não basta o clamor legítimo das “ruas”,
não basta o calor intenso das chamas.
Deve-se atingir o âmago das almas,
corroídas pelo ódio do preconceito...
 
Resgatando, então, a humanidade perdida
na fila do descaso e da arbitrariedade,
germes dessa eloquente barbárie.
Agora rechaçada pela “rua” ensandecida!

Isolamento

  Socialmente distanciados, amargurados pela solidão, que nos aflige e não dá perdão.   Nem assim calados. Impulsionados pelo mome...